A minha infância foi passada no Freixial nos fins-de-semana e férias . A minha avó paterna tinha lá uma casa à beira da estrada, em frente à Pensão da D. Regina e da Escola Primária
Assim que terminava a escola íamos para o Freixial, o meu pai ia todos os dias trabalhar para Lisboa do Freixial. Sempre considerou essa a sua terra, tanto que deixámos aí as cinzas dele. O Luis da Mimi, o Luis filho da Conceição e do Sr. Silva. O seu desejo era comprar uma casa no Freixial. A mãe já demente, vendeu a casa e todo o seu recheio sem dizer aos filhos. O meu pai teve um desgosto enorme, teria comprado aquela casa, à beira da estrada, em frente à Pensão e ao lado das escadinhas. Ao fundo das escadinhas, a cabeleireira que trabalhava em casa, à esquerda a vacaria. Descendo em direção ao largo, a Adega do Vasco.
Enfim... as melhores lembranças de toda a minha vida. Chegar ao Freixial era ter em todo o lugar uma extensão da casa, andávamos à vontade, sem receios, a apanhar amoras na beira da estrada.
 |
a aldeia dos cowboys |
Subimos eu e o meu irmão, Miguel Paulitos, ao Picoto, Picotinho e Picotão. Brincámos muito na “aldeia dos cowboys”, um estúdio ao ar livre onde filmavam
westerns (não sei se ainda existe). As codornizes que nos chegavam dos aviários.
A casa era grande, com 2 pisos e sótão. Chegámos a ter 24 pessoas a dormir lá em casa. Íamos apanhar caracóis, com os nossos chapéus de palha e os cajados (canas) que enchiam uma caixa na casa das ferramentas ao fundo do quintal.
No tanque, recordo o barulho dos caracóis a serem lavados pelo meu pai.
A Mina! O Rio Trancão era visita imediata assim que chegávamos para ver como estava o caudal.
Os incêndios. Lembro-me de chegarmos ao Freixial num ano em que lavrava um incêndio enorme. Íamos com o Fernando Madeira no seu Citröen boca de sapo. Mulher e filhos em casa e lá foram juntar-se ao povo a apagar o fogo. Povo unido e solidário, do Freixial. Um dia gostava de realizar o sonho do meu pai e ter uma casa no Freixial, era a minha “ida à Terra”.
Ainda hoje sinto o cheiro do pão de Mafra da carrinha que ia vender pão, “um panito para o Sr. Luis” e com um cajado puxava um panito bem tostado. A buzina da carrinha que vendia peixe e, uma vez por semana passava a carrinha que vendia atoalhados, batas, panos de cozinha... o leite íamos buscar à vacaria.
E era no Largo do Chafariz que se faziam as festas populares, com barraquinhas das quermesses, as rifas. Depois saltava-se a fogueira e queimava-se a alcachofra, se florisse no dia seguinte era amor correspondido.
Na casa da minha avó, casa de férias, não existia saneamento básico nem água canalizada. Tinha uma cisterna no quintal que por vezes tinha que ser enchida pelos Bombeiros e um reservatório no telhado para recolher a água da chuva. Na enorme cozinha a água era fervida para podermos beber. Os banhos eram com água aquecida numa chaleira elétrica e a água era colocada num balde com furos e cordão para accionar a saída da água. Lembro-me da preocupação da minha avó e pai, sempre a espreitar a cisterna em anos de seca e lá tinham que chamar os Bombeiros para encher de água. Isto há cerca de 40 anos atrás, no tempo do Vasco da Adega, da Pensão da D. Regina, da loja/café/taberna/mercado da D. Júlia. Ainda conheci o Constantino, o guardador de vacas e de sonhos. Meu querido Freixial.
Recordo também que há 40 anos atrás entrei em muitas casas de amigas cujo chão era de terra batida e não tinham casa de banho.
Foi aí no Freixial que o meu pai conheceu e se tornou amigo do Alves Redol, passando a participar das tertúlias que ele fazia no seu refúgio com outros camaradas antifascistas.
O FREIXIAL será sempre a minha terra.
texto de: